E Se Falássemos Do Presépio?
Vale a pena partilhar um estudo sobre a iconografia mais significativa acerca do presépio de Greccio. De Belém a Greccio, de Ana L. Esteves e Isidro Lamelas. Um regresso às fontes que nos ajuda a recuperar o significado do Natal.
Na noite de 23 de Dezembro de 1223, já lá vão 800 anos, Francisco de Assis convocou as pessoas da pequena aldeia de Greccio, no centro de Itália, para recriar o presépio. Quando as pessoas chegaram tinham lugar para si porque não estava lá mais ninguém na representação do presépio. Naquela noite, no meio da floresta e a caminho daquela gruta onde São Francisco quis que todos encontrassem o Menino, no seu coração, dentro de si, vieram a cantar homens, mulheres e crianças com tochas acesas e cânticos de alegria.
São Francisco é o pai do presépio tal como o conhecemos, mas também é verdade que ele foi uma espécie de desconstrutor do presépio: o que ele fez foi um “presépio minimalista”, com dois animais vivos “e uma simples manjedoura com feno”. Ao desconstruir o presépio, São Francisco tornou-se o pai do presépio: a partir daí, ao tirar de cena o que não fazia parte da essência do presépio, deixou espaço para entrarmos todos, entrar a vida, entrar o quotidiano, as nossas profissões. E é a partir daí que o presépio se torna popular – ao fazê-lo, cada um de nós está a colocar-se lá.
O presépio de Greccio também mostra uma atenção especial às mulheres e às crianças. São Francisco convidou todos os populares naquela noite de Greccio e sabemos que estavam presentes muitas mães. Na Idade Média havia esta ligação, por causa dos partos mal sucedidos, dos abortos, das perdas de crianças. O historiado francês Jacques Le Goff chega a dizer que São Francisco inscreveu na história a mulher e a criança – pela primeira vez na língua italiana aparece a palavra bambino.
As pessoas da região eram muito simples, muito abertas à mensagem franciscana de paz e bem, vinham para a rua quando Francisco por lá passava a pregar. No fundo, julga-se que São Francisco quis fazer-nos viver, entrar para dentro do presépio. Ao não colocar o Menino no presépio, o Poverello quis convidar cada um de nós a fazê-lo nascer, acolhendo-o em si e fazendo eco da mensagem de paz e de bem, num mundo carregado de guerra. Um mundo que era como o nosso: naquele tempo tínhamos as Cruzadas. E essa é a lição de São Francisco: não é preciso sangue, os lugares santos são dentro de nós.
Francisco de Assis traz a beleza de Deus para junto do povo, encontrando uma linguagem que todos entendem através do presépio de Greccio: A linguagem do teatro, da representação, do sentimento, do afecto. Essa é uma das razões que leva a que o presépio se torne o fenómeno artístico expressivo mais popular do cristianismo.
O presépio é a “melhor resposta às heresias da época” e, nesse sentido, tem uma mensagem “política”, no conceito de acolhimento, de lugar “onde todos são irmãos, uma certa utopia da família universal reunida à volta da manjedoura”. E também convoca o “pão da justiça”, que deve ser partilhado por todos. Sabemos, por exemplo, que Francisco de Assis “não formulava nenhum juízo sobre o islão” e foi ao encontro do sultão em Damieta “desarmado” e com uma “mensagem de paz”.