«Acabou o Sínodo»

Foram três anos para chegar a um texto de 52 páginas, com 155 parágrafos, todos eles aprovados por mais de dois terços da assembleia, mas nem todos consensuais. O documento final do Sínodo sobre a Sinodalidade foi votado ao longo da manhã e tarde do dia 26 de outubro, e divulgado aos jornalistas ao início da noite. Uma hora de conferência de imprensa não foi suficiente para que todos fizessem as suas perguntas, mas muitas delas prendiam-se com a mesma dúvida: o que se concluiu, afinal, em relação ao papel da mulher? A resposta revelou-se difícil, talvez devido àquela que foi outra das grandes conclusões deste Sínodo: deixou de existir uma Igreja Universal.

Essa é, para o padre Giacomo Costa, um dos secretários-especiais da Assembleia Sinodal, uma grande “novidade deste documento”, promulgado pelo Papa e que agora “participa” do magistério pontifício: “Não se fala mais de uma Igreja Universal” e não se encara a Igreja “como uma multinacional com as suas filiais”. A Igreja é vista, explicou, como “uma comunhão de igrejas que, juntas, caminham”. E que, “num mundo de violência”, deve ser “testemunha de que na diversidade é possível ser-se unido na fé e um único corpo em Cristo”.

Essa diversidade, de resto, foi bem visível nos resultados das votações de alguns dos parágrafos do documento (até ao momento disponibilizado online apenas em italiano), particularmente o número 60, respeitante ao papel das mulheres na Igreja. “Não há nenhuma razão para que as mulheres não assumam papéis de liderança na Igreja: o que vem do Espírito Santo não pode ser impedido. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário um maior discernimento a este respeito”, pode ler-se naquele que terá sido o ponto mais controverso do texto, tendo em consideração que houve 97 em 355 participantes do Sínodo que optaram por dizer “não” a estas afirmações, naquela que foi a aprovação por menor margem de todo o documento.

Verdade seja dita, o próprio cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, manifestou um certo desagrado quando um jornalista questionou se, num futuro sínodo, poderia vir a haver mais leigos, e particularmente mulheres, na assembleia. “O Papa convocou 70 pessoas [não bispos] para não superar os 25% e respeitar a assembleia dos bispos”, sublinhou, deixando subentender que essa percentagem nunca poderia ser ultrapassada.

Ainda assim, em resposta a outra pergunta sobre o mesmo tema, Grech assegurou que “o Papa acolheu este grito” e por isso criou um grupo de estudo para debruçar-se sobre ele, particularmente para dar resposta à questão do diaconato feminino: “Não deixou o tema na prateleira”. Mas, reconheceu por seu lado o cardeal Jean-Claude Hollerich, relator-geral da XVI Assembleia Geral do Sínodo, trata-se de “um tema muito delicado”. “Não há uma decisão a favor nem contra, portanto a questão continua aberta”, concluiu.

Delicado é também o tema da formação dos futuros padres, como revelou o facto de 40 membros sinodais se terem oposto à aprovação do parágrafo 148. “Ao longo do processo sinodal, foi amplamente expresso o pedido de que os percursos de discernimento e de formação dos candidatos ao ministério ordenado sejam configurados num estilo sinodal. Isto significa que devem incluir uma presença significativa de figuras femininas, uma inserção na vida quotidiana das comunidades, uma educação para a colaboração com todos na Igreja e para a prática do discernimento eclesial. Isto implica um investimento corajoso de energia na preparação dos formadores”, pode ler-se.

No mesmo parágrafo, a Assembleia pede mesmo “uma revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis que incorpore as solicitações amadurecidas no Sínodo, traduzindo-as em indicações precisas para uma formação à sinodalidade”, apesar de, ao que tudo indica, estas não serem consensuais.

O “Não” foi ainda expressivo na votação do parágrafo 27, que defende que “aprofundar a ligação entre liturgia e sinodalidade ajudará todas as comunidades cristãs, na pluriformidade das suas culturas e tradições, a adotar estilos celebrativos que manifestem o rosto de uma Igreja sinodal”. A assembleia pede, neste caso, “a constituição de um Grupo de Estudo específico”, ao qual confia também “a reflexão sobre o modo de tornar as celebrações litúrgicas mais expressivas da sinodalidade”, que “poderia ocupar-se também da pregação dentro das celebrações litúrgicas e do desenvolvimento de uma catequese sobre a sinodalidade em chave mistagógica”.

Questionado sobre o teor genérico deste parágrafo, Mario Grech reconheceu que “é um dos pontos que deverão ser objeto de mais debate”, mas lembrou que “muitos escreveram, quando o Sínodo começou, que tinham problemas porque às vezes a liturgia não lhes falava”, pelo que a assembleia teve de “levar isso em conta”.

Apesar destas questões mais fraturantes, Hollerich afastou a ideia de ter havido uma “batalha entre fações”. “Algumas opiniões continuam a ser diferentes, é inevitável, mas este ano experimentámos realmente a sinodalidade”, garantiu. “Esta noite toda a gente estava cheia de alegria. Não vimos pessoas decepcionadas ou tristes. Todos manifestaram grande alegria porque caminhámos juntos e sabemos que continuaremos a caminhar juntos, e essa é a experiência que tiramos deste sínodo… e agora temos de ser missionários desta experiência”, como pedia o Papa no discurso com que encerrou a assembleia.

 

Para tornar a sinodalidade “dimensão constitutiva da Igreja”

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