Mensagem VI aos paroquianos
Dou-me conta – e partilho-o convosco – de que os apelos à paz se multiplicam precisamente num tempo em que se sente o pouco valor de uma vida humana. Triste sinal dos nossos tempos em que se fala de Inteligência Artificial, tida como alto índice de desenvolvimento humano. Grandes conquistas da ciência e da técnica, inegáveis testemunhos da capacidade do engenho humano, convivem com os rios de sangue inocente que as imagens televisivas nos trazem para dentro de casa todos os dias. Afinal, que desenvolvimento humano é este? Somos hoje melhores pessoas ou somos mais cruéis? Elevamos o grau de Humanidade ou de Animalidade?
A trégua em curso, apesar de muito limitada, entre Israel e o Hamas é bem merecedora de apreço e de registo como possível no meio dos repetidos impossíveis, que nos escravizam e nos mantêm reféns do medo. Depois de tanta barbárie, eis que surge um oásis de esperança, porventura com um alcance bem maior do que o regresso a casa de reféns e de prisioneiros. Será desta, depois de atingidos os limites insuportáveis da lógica da vingança, durante décadas, será agora que, finalmente os dois lados da contenda se convencem de que estão condenados a viverem lado a lado, em respeito mútuo caminhando para a harmonia e mesmo colaboração no futuro, com vantagem para ambos os lados? Será desta, a partir do caos que a guerra instalou, que o povo da Promessa volte à sua origem de povo no meio de muitos outros povos, chamado à profissão de fé num Deus único, a Quem «amar sobre todas as coisas» e «ao próximo como a si mesmo»? Será desta que os seguidores de Maomé se tornam capazes de olhar um pouco mais acima e de aceitarem que Alá só é bem honrado na harmonia com todos os seres criados, considerados irmãos e não inimigos? Será desta que a comunidade internacional se resolve a meter mãos à obra, na construção das condições de paz entre os dois povos e condicione os seus grandes investimentos a uma educação apostada na convivência entre diferentes fés e culturas?
Impõe-se reconhecer, diante desta realidade trágica, a superioridade do cristianismo, que sempre investiu na criação de uma fraternidade entre todos os povos. O que deveria levar o nosso mundo ocidental a reconhecer que as suas raízes estão no evangelho e na sua capacidade de congregar na unidade o que se afirma diverso pela sua origem e desenvolvimento histórico. Infelizmente, o dito mundo ocidental enferma da infidelidade às suas origens, esquecido de que «nem só de pão vive o homem».
Estamos longe, infelizmente, daquele «Reino de Justiça, de Amor e de Paz», que Jesus inaugurou há dois mil anos. E afinal é o que mais desejamos. O sonho nunca morre. Não nos habituamos à guerra e injustiça, por mais elevados que sejam os níveis a que elas se nos imponham. O coração humano nunca dispensará o desejo de paz.
25/11/2023
P. Abílio Cardoso