A LEITURA DA JMJ de A a T
ABUSOS na Igreja
O Papa veio fazer o que os bispos em geral não fizeram: ir pessoalmente ao encontro das vítimas, escutá-las e pedir perdão, sem ficar por múltiplos pedidos de perdão, fáceis e impessoais. Fê-lo logo, mal chegou, no primeiro dia. E mostrou que, afinal, o tema tinha cabimento na JMJ.
BUSCA (de sentido)
O Papa insistiu muito nesta ideia, em algumas intervenções: mais do que definir respostas, é fundamental que os jovens façam perguntas, exprimam dúvidas, busquem sentidos, não se acomodando a receitas fáceis, afirmando aquilo que cada um é e como é nas suas escolhas existenciais de viver.
CONFIANÇA
O Papa demonstrou uma enorme confiança na qualidade humana e cristã dos jovens: eis uma lição para o nosso governo e para os responsáveis da Igreja em Portugal. É preciso dar aos jovens a certeza confiante de que saberão construir um mundo melhor e mais fraterno e uma Igreja mais santa. Eles são o futuro. Francisco aposta neles.
DEUS
O Deus proposto pelo Papa é o Deus de Jesus Cristo e, por isso, não é uma ideia ou conceito: é o amor em pessoa e em acção concreta. “Deus ama-te” e “conhece-te pelo nome”. E toda aquela malta reagia com entusiasmo espontâneo. Medito: que significa jovens com 20 anos em 2023 acreditarem em Deus? Que motivações?
EMOÇÕES
Foi uma das palavras que mais se ouviram, quer dos participantes quer dos circunstantes à espera de oportunidade para saudar o Papa. Será também dos maiores riscos desta Jornada: ficar por uma grande emoção, que se desvanece na espuma dos dias.
FRANCISCO
Proximidade, pedagogia e profetismo. Por muito que faça remoer os que gostariam de passar rapidamente ao papa seguinte, este Papa está aí para centrar a Igreja nos desafios do Evangelho, atenta ao sofrimento de cada pessoa, das sociedades e do planeta.
GESTOS (concretos)
A JMJ foi um desafio de utopia estratégica. Mas, ao contrário da utopia do horror, concretizada na estratégia das guerras e dos campos de refugiados, esta utopia traduziu-se nos encontros concretos dos peregrinos, nos gestos de amizade “anónimos”, nos risos e nos abraços genuínos, para lá das cerimónias transmitidas pelas TV.
HORA
A JMJ de 2023 foi feita por gente que sabe. E os peregrinos também não ficaram acomodados e responderam na hora e no mesmo tom, não perdendo tempo a queixar-se ou a calcular canseiras. Assim se cumpriu a canção: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber! Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” A JMJ foi a HORA – Kairós –, o tempo oportuno.
IGREJA portuguesa
Mobilizou-se e foi eficiente e eficaz. Mas isso não basta. Será capaz de acolher esta experiência e a energia que a caracterizou e transformar em linhas de acção os desafios e apelos lançados pelo Papa?
JOVENS
São uma categoria que alberga grande diversidade, mas compareceram e deram sinais que renovam a esperança no futuro. Mais do que “jovens do Papa”, foram incentivados a ser “coreógrafos da dança da sua vida” e a surfar a “onda do amor” (não platónico nem egoísta).
LISBOA
Foi a “Cidade da Paz”. Ao contrário da Torre de Babel, mais de um milhão de peregrinos, de línguas e culturas diversas, celebraram a Alegria e a Paz numa só voz e num só coração. Lisboa (e Portugal) foi, nestes dias, um exemplo para o mundo de que a Paz é possível.
MEDO (e SONHO)
“Não tenham medo”, não fiquem parados ou presos aos ecrãs, sejam insubmissos; sejam “produtores de sonhos”; levantem-se, sejam peregrinos e testemunhas do amor – foram os apelos mais insistentes do Papa Francisco.
NO “WOODSTOCK CATÓLICO” (ecologia, música e oração)
A JMJ encheu Lisboa de debates, concertos, encontros, orações, exposições. Até houve um enorme encontro promovido por um líder evangélico no Estádio da Luz e um encontro de “influenciadores” católicos das redes sociais. Mas acho que foi a música que ficou a ganhar na lista incontável de iniciativas. Muitas vezes, a música ligada à oração, como foi o caso de Taizé nesta semana, com a igreja de São Domingos, na Baixa, sempre cheia, três vezes por dia, com a proposta de uma oração que incluía cânticos meditativos, silêncios, textos bíblicos e curtas reflexões. Destaco também a sessão com Walter Baier, presidente do Partido da Esquerda Europeia, promovida pela Dialop – Rede de diálogo entre cristãos e marxistas impulsionada pelo Papa Francisco. Discutiram a ecologia integral, na linha da Laudato Si.
ORGANIZAÇÃO
O país e a Igreja mostraram ser capazes de colaborar entre si e de organizar uma iniciativa à escala global, que é complexa e arriscada, com qualidade, funcionalidade e hospitalidade. Foi uma “sementeira” da qual se podem esperar bons frutos.
POVO
A JMJ foi um acontecimento histórico, em que a personagem principal não foi uma elite mas o povo: povo feito de jovens, de tantas geografias, culturas e experiências de Igreja. Foi, sobretudo, afirmação da vontade de uma sociedade mais solidária e justa e uma vida com mais sentido também espiritual.
RISCO
A JMJ 2023 foi um grande risco: para o país, para a cidade de Lisboa, e para a Igreja portuguesa. Por mais calculado que tenha sido, foi um empreendimento arriscado. Polémico, logo de início, mal compreendido por muitos e combatido mais ou menos surdamente por uns quantos, a pretexto de custos ou de questões não essenciais, desejosos que as coisas corressem mal. Mas provámos, mais uma vez, que somos um povo que, quando é preciso, sabe navegar e arriscar. E a fé ajudou a navegação.
SANTO
Ficou-me na retina aquele jovem voluntário, acabado de sair da Universidade, a dizer ao Papa que quer “ser santo”. Francisco valoriza o heroísmo e a coragem de que deram testemunho estes voluntários. Ao fim e ao cabo, estes jovens, homens e mulheres, desejam participar plenamente na construção de um «mundo mais justo e solidário» e todos juntos reviveram um «desejo universal de humanidade». Ser santo é isto.
“TODOS, TODOS, TODOS”
É talvez a mensagem papal de maior alcance prático para a Igreja universal e portuguesa: ter portas sempre abertas a todas e a todos sem discriminar ou condenar ninguém e não basta ficar à espera que apareçam; é necessário ir ao encontro, não ficando na sacristia ou no templo. Mas isto implica mudanças profundas na cultura da Igreja.
(consultadas várias fontes, designadamente o jornal 7Margens)